A missão da Organização dos Estados Americanos (OEA) que acompanhou as eleições deste ano no Brasil apresentou uma avaliação preliminar do pleito.
Os especialistas internacionais destacaram o papel das chamadas fake news (notícias falsas) e da violência na disputa e apresentaram recomendações sobre este e outros temas, como financiamento de campanha, participação de mulheres e indígenas e registro de candidaturas. O balanço e as propostas foram divulgados em entrevista coletiva nesta segunda-feira (29), em Brasília.
O grupo foi integrado por 30 especialistas de 17 nacionalidades e por seis pessoas que observaram a votação no exterior. A missão manteve reuniões com autoridades eleitorais e de governo, partidos políticos e candidatos, acadêmicos e organizações da sociedade civil, entre outros. O grupo propôs no documento final que o Conselho Consultivo do TSE sobre Internet e Eleições se torne uma instância permanente de debate sobre o fenômeno e seu impacto.
O grupo criticou o uso maciço de desinformação durante a campanha, especialmente por meio da plataforma WhatsApp. Na semana passada, a líder do grupo, Laura Chinchilla, classificou o fenômeno como algo “sem precedentes”. “A missão lamenta o uso irresponsável que vários setores políticos fizeram dessas ferramentas, que, quando empregada de forma positiva, podem contribuir ao intercâmbio de informação entre candidatos e eleitores e ajudar a autoridade eleitoral a aproximar a cidadania do processo eleitoral”, registrou o documento.
Se, no primeiro turno, o grupo já havia visto a desinformação como “uma constante” e uma preocupação, no segundo turno o balanço destaca uma intensificação deste fenômeno, indo para além do WhatsApp e aparecendo também em outras redes sociais. Mas este aplicativo, especificamente, trouxe desafios pela dinâmica de comunicação privada e mensagens criptografadas. “A natureza dessa ferramenta, um serviço criptografado de mensagens privadas, dificulta o já complexo combate à propagação de notícias falsas”, avaliou a missão.
Os especialistas reconheceram iniciativas de combate às notícias falsas, como as agências de checagem; as campanhas de esclarecimento do Tribunal Superior Eleitoral contra conteúdos enganosos, a exemplo de suposta fraude no sistema de votação; a cobertura pela mídia tradicional; e ações das próprias plataformas, como a derrubada pelo WhatsApp de centenas de milhares de contas por atuação com difusão massiva de mensagens (spam).
O texto defende o aprofundamento dessas medidas e campanhas de alfabetização midiática para os cidadãos, de modo a estimular que as pessoas não propaguem desinformação e chequem uma notícia antes de compartilhar. “A recomendação é ampliar esses esforços e promover uma atitude mais responsáveis de quem participa das contendas eleitorais”, destacou a líder da missão, Laura Chinchilla, na entrevista coletiva.
Violência
No documento divulgado, a missão manifestou preocupação com a polarização e agressividade na campanha. Citou, como exemplo, o atentado ao então candidato Jair Bolsonaro (PSL) no início de setembro, além de ataques sofridos por outros candidatos, jornalistas e simpatizantes políticos, seja por ameaças digitais ou por agressões físicas.
“A violência é totalmente inaceitável em contextos eleitorais e democráticos. Violência gera violência. A missão condena veementemente qualquer tipo de ataque violento e lamenta a ausência de um diálogo respeitoso, construtivo e propositivo por parte de todos os atores políticos durante o período de campanha”, pontuou o texto.
Urnas
Na votação de domingo (28), os integrantes da missão visitaram 292 seções eleitorais em 121 locais de votação em 11 estados, além do Distrito Federal. Os integrantes afirmaram não terem visto problemas com as urnas. Em todos os casos, a zerésima (comprovação emitida no início da votação de que não havia votos computados na urna) estava correta.
“Nos mais de 20 anos em que está em operação, a urna tem sido submetida a testes de segurança, nos quais têm participado especialistas em tecnologia de organismos públicos, partidos políticos e instituições privadas”, colocou o documento. A missão destacou os vários testes realizados antes e durante o pleito, como a votação paralela para comparação dos resultados e do funcionamento das urnas.
Mas os representantes da OEA recomendaram ampliar a amostra do teste da votação paralela e “desenvolver os mecanismos legais necessários para garantir a presença dos técnicos dos partidos nas diferentes instâncias de fiscalização das urnas”. Outra sugestão é ampliar o diálogo entre autoridades e partidos para medidas que aumentem a confiança das legendas e da sociedade no sistema de votação.
Recomendações
O balanço da missão trouxe recomendações para outros temas. No caso do registro de candidaturas, foi criticado o fato de, no momento da votação, ainda haver concorrentes sem a situação jurídica definida. Os especialistas sugeriram rever os prazos previstos na legislação para que o controle jurídico e análise de condições de impedimento ocorram antes do registro das candidaturas e início da campanha.
Quanto ao modelo de financiamento, pela primeira vez sem doações de empresas e pessoas jurídicas, a missão elencou como propostas ter normas mais claras de como os recursos do fundo eleitoral serão distribuídos dentro dos partidos, além de rever o sistema de sanções para o caso de irregularidades na gestão dessas verbas, caracterizado como ineficaz por atores ouvidos.
O documento fez uma crítica à baixa participação das mulheres em cargos de representação, a menor dentre os países da região no caso do Parlamento. Apesar de a bancada feminina na Câmara dos Deputados ter crescido de 51 para 77, isso ainda corresponde a 16% dos representantes dessa Casa Legislativa. Como recomendação, a missão defende “estabelecer critérios claros que permitam fazer um uso mais equitativo dos recursos públicos e que promovam o acesso do maior número possível de mulheres aos cargos de escolha popular”. Outra recomendação é definir sanções para o caso de descumprimento da cota de financiamento para candidatas mulheres.
A preocupação com a subrepresentação também foi pontuada no caso de indígenas e afrodescendentes, tanto nas candidaturas quanto na composição das casas legislativas. O grupo aventa como possibilidade adotar medidas semelhantes às regras para mulheres, com a instituição de cotas e financiamento direcionado.
Com informações da Agência Brasil
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