A pandemia de covid-19 pressiona prefeitos e governadores a agir de forma rápida para assegurar a aquisição de insumos necessários ao enfrentamento da doença. Respiradores, máscaras e demais equipamentos de proteção individual entraram para a lista prioritária de compras realizadas sem licitação em função do novo coronavírus. É uma guerra comercial, mas que revela implicações políticas e até policiais. Desde abril, investigações por mau uso do dinheiro público se espalharam por ao menos 11 Estados e o Distrito Federal.
Desde fevereiro, a legislação brasileira permite que gestores públicos comprem, sem fazer licitação, bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da pandemia. Os contratos passam a ser investigados quando Ministério Público e polícia notam indícios de irregularidades, como preços muito acima da média praticados por fornecedores ou demora para entregar mercadorias. Segundo o Ministério Público Federal, que atua nas investigações quando há repasse da União, há 410 procedimentos abertos de forma preliminar que podem originar processos criminais.
Em São Paulo, o Ministério Público Estadual instaurou um inquérito civil, desmembrado em cinco procedimentos, para apurar compras do governo João Doria (PSDB). A gestão fechou o maior contrato estadual até aqui: US$ 100 milhões (cerca de R$ 574 milhões) por 3 mil respiradores da China. Por enquanto, 150 unidades foram liberadas pelo governo chinês, que limita a entrega em lotes.
Segundo a administração tucana, a empresa chinesa foi escolhida após pesquisa de mercado por apresentar as melhores condições de volume e prazos. “A aquisição cumpriu as exigências legais e os decretos estadual e nacional de calamidade pública”, informou o governo. Na semana passada, Doria anunciou a criação de uma corregedoria para acompanhar compras relacionadas à covid-19.
No Paraná, o comitê de crise criado para a pandemia já tem entre seus participantes o controlador-geral do Estado, Raul Siqueira, que instituiu um conselho de aquisições públicas em parceria com o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado.
Em outros Estados, investigações apuram situações em que os produtos não foram entregues, mesmo após o pagamento integral. São os casos de Rio de Janeiro e Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) vai enfrentar uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar se houve desvio de recursos na negociação dos respiradores. Anteontem, uma força-tarefa da Polícia Civil de Santa Catarina cumpriu 35 mandados de busca e apreensão em quatro Estados. A Operação O2 (símbolo do oxigênio) investiga a compra de 200 aparelhos por R$ 33 milhões.
O governo catarinense afirma que apoia as investigações e busca reparação aos cofres públicos por meio judicial em processo conduzido pela Procuradoria-Geral do Estado. Em nota, disse ainda que instaurou sindicância interna para apurar possíveis irregularidades e afastou preventivamente servidores. O secretário de saúde, por exemplo, deixou o cargo.
No Rio, o ex-subsecretário de Saúde Gabriell Neves e outros três suspeitos de obter vantagens em contratos emergenciais para a aquisição de respiradores foram presos na semana passada. O governo de Wilson Witzel (PSC) fechou contrato de R$ 9,9 milhões por 50 aparelhos. A investigação corre em sigilo. O governo informou que o subsecretário foi afastado e que os contratos são monitorados por auditoria permanente.
A origem do recurso empregado – via governos federal, estaduais, municipais ou uma mescla de todos – dificulta a fiscalização. Na Paraíba, a Operação Alquimia, da Polícia Federal, apura o desvio de verbas do Estado e da União em Aroeiras, na região de Campina Grande. A suspeita é que a prefeitura tenha usado parte dos repasses destinados à compra de insumos médicos para adquirir, por R$ 580 mil, cartilhas sobre o coronavírus oferecidas, de graça, no site do Ministério da Saúde. A prefeitura não foi localizada para comentar.
Denúncias também renderam ações da PF no Amapá, onde a Operação Virus Infectio apontou variações de até 814% no preço de máscaras compradas pelo fundo estadual de saúde. Se a irregularidade se confirmar, o prejuízo seria de R$ 639 mil. O governo de Waldez Góes (PDT) diz que a compra ocorreu no início da pandemia, quando os preços estavam “majorados”. O governo também justificou que possui uma conta específica dos gastos com a pandemia para facilitar a fiscalização dos órgãos de controle e que a operação policial mirou endereços ligados às empresas, e não à administração pública.
Assim como o avanço de casos da doença, denúncias de negócios supostamente superfaturados se alastram pelo País. Mas há situações em que a suspeita de irregularidades parte do próprio poder público. Na semana passada, a Prefeitura de Rondonópolis, terceira maior cidade de Mato Grosso, chamou a polícia após constatar que 22 respiradores comprados por R$ 4,1 milhões eram falsos.
O vendedor, que está preso, entregou monitores cardíacos em caixas “maquiadas” com adesivos e manuais dos produtos solicitados pela administração municipal.
No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) se disse surpreso ao constatar que os primeiros 152 aparelhos de um total de 400 importados da China, por R$ 50 milhões, chegaram sem condições de uso.
A PF abriu procedimento para investigar, e Barbalho conseguiu na Justiça o bloqueio dos bens da empresa contratada, além da retenção dos passaportes dos sócios até que se forneçam equipamentos em condições de funcionamento ou que se faça o ressarcimento do valor empenhado. O Pará entrou em lockdown ontem. O Estado já soma mais de 650 mortes.
Em Roraima, o secretário da Saúde foi exonerado depois de comprar e pagar, de forma antecipada, respiradores que não foram entregues. “No nosso caso, o secretário não seguiu os ritos internos. Não comunicou sobre a compra à controladoria nem a mim. Não se trata de má-fé, mas de falha administrativa”, afirmou o governador Antonio Denarium (PSL), que diz ter aberto sindicância interna para apurar o caso.
Com informações do site Terra.
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