A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) condenou, nesta terça-feira (22), o ex-procurador da República Deltan Dallagnol a indenizar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por causa da denúncia feita pela Lava Jato contra o petista pelo que ficou conhecido como “PowerPoint do Lula”.
A apresentação foi feita em 2016, em entrevista coletiva pela então força-tarefa da Lava Jato. Na oportunidade, Dallagnol apresentou alguns slides em PowerPoint que explicariam o teor da primeira denúncia contra Lula, envolvendo o triplex no Guarujá (SP).
Por 4 votos a 1, os ministros da 4ª Turma do STJ consideraram que ficou caracterizado o dano moral por parte de Dallagnol contra o ex-presidente Lula.
Os ministros fixaram em R$ 75 mil a indenização ao ex-presidente. O valor deve ter correção monetária a contar a partir da publicação do acórdão, além do acréscimo de juros desde o evento em questão (a apresentação do PowerPoint pela extinta força-tarefa da Lava Jato). A estimativa do relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, é que o valor seja de algo em torno de R$ 100 mil, sem contar os honorários advocatícios.
O ex-presidente alegou que o ex-procurador teria agido de forma abusiva ao expô-lo em rede nacional ao utilizar do gráfico para dizer que Lula seria o chefe de uma organização criminosa.
A ação foi apresentada na Justiça de São Paulo em dezembro de 2016, mas a defesa de Lula perdeu. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça em 2019.
Ainda cabe recurso da decisão no próprio STJ.
Em seu voto, Luis Felipe Salomão afirmou que ficou “caracterizado o ilícito e o dano moral”.
Para o ministro, o próprio Deltan Dallagnol reconheceu, depois do ocorrido, que a apresentação da denúncia em PowerPoint contra Lula teria sido um erro.
“É público e notório, o próprio recorrido [Dallagnol] reconheceu a infelicidade da entrevista [coletiva], em várias entrevistas que ele concedeu posteriormente”, argumentou.
Segundo o relator, houve “espetacularização” do caso, e Dallagnol “usou expressões desabonadoras da honra e imagem, e a meu ver não técnicas”, com palavras que “se afastavam da nomenclatura típica do direito penal e processual penal”.
“Essa espetacularização do episódio não é compatível nem com o que foi objeto da denúncia e nem parece compatível com a seriedade que se exige da apuração desses fatos”, afirmou.
O entendimento de Salomão foi acompanhado pelos ministros Raul Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A única a divergir foi a ministra Maria Isabel Gallotti.
O ministro Raul Araújo foi o mais crítico à Lava Jato. Ele disse que houve um “juízo de exceção” em Curitiba, o que teria levado a esse tipo de abusos.
“O erro originalmente de tudo isso me parece deveu-se àquele típico juízo de exceção que se deixou funcionar em Curitiba para processar e julgar todas as ocorrências ligadas à operação Lava Jato. Criou-se um juízo universal para essas demandas. Sempre fui um crítico desse funcionamento a meu ver anômalo”, completou.
“Entendo que restou caracterizada a ação do réu [Dallagnol], não propriamente por abuso de direito, mas por excesso de poder, pois o agente público atuou para além de sua competência legal”, disse o ministro.
Única a discordar da punição a Dallagnol, a ministra Maria Isabel Gallotti justificou que a atitude do ex-procurador (de conceder uma entrevista coletiva para apresentar o conteúdo da denúncia, sem dar o direito de o acusado se defender) estava embasada em recomendações feitas pelo Ministério Pública à época.
“Não podemos julgar hoje com os conceitos de hoje fatos ocorridos no passado.
Ou seja, décadas atrás seria absurdamente contra o estatuto da magistratura e do Ministério Público a convocação reiterada de entrevistas coletivas com exposição de fatos e dizia-se que o juiz só se pronunciava nos autos. Os procuradores da República também não convocavam entrevistas para expor à população, prestar conta dos seus atos”, argumentou.
Ao fim de seu voto, a ministra afirma que “não compactua” com a prática das entrevistas, mas que essa era a recomendação à época. Ela sugere que a defesa de Lula recorra contra a União para questionar a conduta da PGR e se era legal a orientação para os procuradores exporem as denúncias nas entrevistas coletivas.
“O reconhecimento hoje (22/03), pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que a “coletiva do Power Point” configura ato ilegal e é apta a impor ao ex-procurador da República Deltan Dallagnol o dever de indenizar o ex-presidente Lula é uma vitória do Estado de Direito e um incentivo para que todo e qualquer cidadão combata o abuso de poder e o uso indevido das leis para atingir fins ilegítimos (lawfare).
Referida entrevista coletiva foi realizada em 16 de setembro de 2016, em um hotel localizado em Curitiba (PR), e fez uso de recurso digital (PowerPoint) contendo inúmeras afirmações ofensivas a Lula e incompatíveis até mesmo com a esdrúxula denúncia do “triplex” que havia sido protocolada contra o ex-presidente naquela data. Naquela oportunidade Lula recebeu de Dallagnol o tratamento de culpado quando não havia sequer um processo formalmente aberto contra o ex-presidente — violando as mais básicas garantias fundamentais e mostrando que Dallagnol, assim como Sergio Moro, sempre tratou Lula como inimigo e abusou dos poderes do Estado para atacar o ex-presidente.
Lula foi absolvido da real acusação contida no PowerPoint de Dallagnol pelo Juízo da 10ª. Vara Federal de Brasília em sentença proferida em 04/12/2019 (Processo nº 1026137-89.2018.4.01.3400). Na decisão — que se tornou definitiva por ausência de qualquer recurso do Ministério Público — o juiz federal Marcus Vinícius Reis Bastos considerou que acusação de que Lula integraria uma organização criminosa “traduz tentativa de criminalizar a política”.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 2020, ao analisar a mesma “coletiva do PowerPoint” a partir de Pedido de Providências (Autos nº 1.00722/2016-20) que apresentamos em favor de Lula, já havia considerado o ato abusivo e com o objetivo de promover o julgamento pela mídia (trial by midia).
Lula não praticou qualquer ato ilegal antes, durante ou após o exercício do cargo de Presidente da República e tem o status de inocente, conforme se verifica de 24 julgamentos favoráveis ao ex-presidente, realizado nas mais diversas instâncias.
A indenização Lula é apenas um símbolo da reparação histórica que é devida.
As informações são da CNN Brasil.
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